Em entrevista exclusiva na TV Diário do Sertão, a maquiadora Thalita Renea, de 28 anos, falou pela primeira vez após ser vítima de crime sexual dentro de ônibus na Paraíba. A jovem, que reside em João Pessoa, estava saindo de Cajazeiras a caminho da capital paraibana. Ela detalhou o que aconteceu naquele dia, como isso tem se reverberado em sua vida e mostrou imagens exclusivas das câmeras de segurança do ônibus.
“Nós mulheres sofremos assédios diariamente, vem de um fiu fiu da rua, vem de uma buzinada, vem de uma cantada e eu sempre estava preparada para isso. Eu sabia que acontecia, mas eu não sabia que acontecia comigo. Foi muito difícil”, disse Thalita.
O caso aconteceu na madrugada do dia 10 de julho de 2023, quando o ônibus de passageiros passava pela cidade de Condado, na região de Patos, com destino a João Pessoa. Ela disse que não costuma viajar sozinha e que sempre prefere o leito ou vai com algum familiar, mas que nesse dia não havia outra opção além do ônibus convencional e explicou por que decidiu falar sobre o caso agora.
“Eu demorei muito tempo para poder falar, porque era algo que me machucava, era algo que eu não entendia porque estava acontecendo comigo, eu comecei a me culpar, comecei a falar ‘o que eu fiz de errado?’, ou ‘porque eu estava naquele ônibus se eu tinha a opção de ter ido de carro?’, porque não era minha roupa, eu não tinha nenhuma parte do meu corpo descoberta”, disse.
Casos como os de Thalita são mais comum do que se imagina. Na Paraíba, o número de casos de estupro de vulnerável aumentou em 158,6% de 2019 para 2022, o feminicídio teve um aumento de 6,3% no mesmo período, é o que mostra os dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Thalita revelou que ao entrar no ônibus o acusado estava sentado em sua poltrona, na janela, e depois descobriu que a poltrona ao seu lado não era a dele e sim de uma outra passageira. Segundo ela, no momento que aconteceu a violência todos os passageiros estavam dormindo, inclusive ela, e por volta das 1h30 da manhã, duas horas após embarcar ao lado dele, acordou com a mão do suspeito lhe tocando. “Eu senti o ato dele me tocando, quando olhei ele estava com a mão nas genitais e eu fiquei sem reação”, falou.
Em imagens exclusivas das câmeras de segurança do ônibus, é possível ver o momento em que Thalita acorda e fala com o homem ao seu lado. Ela se agita e tenta sair da poltrona, mas é barrada pelo acusado. Em seguida vemos as imagens de dentro da cabine da frente, onde a jovem chega nervosa e conversa com o motorista.
“Eu não queria voltar para trás, eu queria ficar naquela cabine do motorista porque eu sabia que ali eu ia estar segura, mas por questões de segurança, acho que da empresa, eu não podia permanecer aquele trajeto na cabine”, contou.
Thalita teve que ficar mais de uma hora dentro do ônibus com seu agressor até chegar em um ponto de apoio na cidade de Patos, onde seriam encaminhados até a delegacia para denunciar o crime. As imagens que circulam nas redes sociais, onde Thalita fala para todos que foi vítima de um crime sexual, foram gravadas quando o ônibus já estava no ponto de apoio.
“Foi onde eu vi que estava segura, eu vi que tinha um ponto de apoio, tinha policiais lá, tinha um policial dentro do ônibus e foi quando eu decidi fazer meu pronunciamento com medo dele ir embora. A gente sabe que isso acontece, mas pensa que nunca vai acontecer com a gente”, destacou a jovem.
Após a repercussão do vídeo nas redes sociais, muitos comentários surgiram, em alguns, falam que Thalita está tentando ‘aplicar um golpe’, em outro que é ‘marketing’, entre outros.
“Eu sou maquiadora há 10 anos, eu tenho uma família, eu sou empresária, eu tenho loja, vocês acham mesmo que eu ia querer, em cima desse marketing, ficar com a fama de que fui abusada dentro de um ônibus?”, questionou.
Mas a publicação não recebeu apenas comentários duvidando de Thalita. Muitas mulheres se solidarizaram com o caso e contaram situações semelhantes que elas viveram. Thalita revelou também que após o ocorrido, uma mulher da sua família lhe contou que era abusada por um tio na infância. Ela ressalta que decidiu falar sobre o caso para encorajar outras mulheres a denunciarem também.
“Esse pronunciamento é para mostrar, de uma vez por todas, que a gente tem voz sim e que a gente não vai se calar diante dessa situação, que a gente não é objeto sexual para ninguém, não é objeto de prazer, independente, se eu estivesse com um moletom ou com uma roupa sexy, ninguém tem o direito de me tocar”, enfatizou.
Thalita detalhou ainda, o que aconteceu após serem encaminhados para delegacia, onde o suspeito ficou preso até a audiência de custódia, mas foi liberado devido a idade e por não ter antecedentes criminais, e como essa violência se reverberou em sua vida.
“Essa marca vai ficar para o resto da minha vida, porque a gente não sabe o que é real, não sabe mais o que não é real, não sabe em quem pode confiar, a gente não se sente mais segura em estar em um ambiente com um homem sozinho”, disse.
“É um trauma que eu vou levar para o resto da minha vida. É muito difícil falar sobre isso, porque a gente quer esquecer e vim aqui falar sobre isso é muito difícil, só que eu cheguei a conclusão que eu não vou esquecer. Eu tive que ressignificar, eu não fui a culpada, eu não pedi para ser assediada, eu não pedi para tocarem em mim”, completou.
O caso de Thalita pode se enquadrar na nova Lei do Estupro, onde o Projeto de Lei 228/23 altera a definição de estupro no Código Penal e deixa claro que o crime será configurado quando alguém se aproveitar da vulnerabilidade ou ausência de sentido que impeça o consentimento expresso para conjunção carnal ou outro ato libidinoso, já que a jovem estava dormindo quando aconteceu. Ela reforçou também, a importância de denunciar casos como esses.
“Se a gente falar eles vão ter medo, eles vão ter receio, porque quando uma mulher fala, ela dá voz a outra. Então, por mais mulheres que falem, por mais mulheres que não aguentem calada, por mais mulheres que no mínimo vestígio que você esteja sendo assediada, denuncie”.